quinta-feira, 28 de março de 2013

Hospedeira, A | Crítica

(The Host, EUA, 2013)





Direção: Andrew Niccol
Roteiro: Andrew Niccol, baseado no livro de Stephanie Meyer.
Com: Saoirse Ronan, Diane Kruger, Chandler Canterbury, Max Irons, Jake Abel, William Hurt, Boyd Holbrook, Frances Fisher, Scott Lawrence, Lee Hardee, Phil Austin, Raeden Green, Alexandria Murrow e Emily Browning.
Estreia no Brasil: 29/03/2013

por João Marcos Flores

Como esperar que uma escritora medíocre e dona de uma visão de mundo absurdamente míope como Stephanie Meyer seja capaz de produzir ficção científica de qualidade? Em A Hospedeira, a autora da série Crepúsculo resolve brincar de Philip K. Dick e esbarra em suas próprias limitações intelectuais, conseguindo criar apenas mais um romance teen cheio de açúcar e de diálogos embaraçosos que não consegue sequer estabelecer de forma clara as regras que norteiam seu universo diegético – e nem mesmo o bom diretor Andrew Niccol (que apesar de vir do igualmente constrangedor O Preço do Amanhã, tem os excelentes Gattaca e O Senhor das Armas no currículo) ou a talentosa atriz Saoirse Ronan (Desejo e ReparaçãoHanna) conseguem impedir o projeto de causar uma série de risos involuntários.

Escrito pelo próprio Niccol a partir do livro homônimo de Meyer, o roteiro nos transporta para um futuro indeterminado em que uma raça alienígena desconhecida não apenas conquistou territorialmente o Planeta Terra, como possuiu os corpos da maior parte de seus habitantes, transformando os poucos sobreviventes em nômades fugitivos. Uma das últimas pessoas a resistirem à dominação é a adolescente Melanie (Ronan), que, logo no início da projeção, é separada do irmão caçula (Canterbury) e tem seu corpo ocupado pela alienígena Wanda. Mas Melanie resiste e, presa em algum lugar dentro do corpo ocupado por sua nova dona, passa a lutar pela sobrevivência enquanto tenta convencer sua colega de carne a não entregar o paradeiro de seu irmão para a impiedosa “buscadora” interpretada por Diane Kruger.

Levantando uma série de questionamentos desde os primeiros minutos de projeção (algo que qualquer ficção científica que se preze deve fazer), o roteiro de A Hospedeira falha sistematicamente em esclarecê-los, constantemente obrigando o espectador a ter suas perguntas respondidas por diálogos autoexplicativos ou simplesmente frustrando-o por subitamente decidir ignorá-las. E mesmo nos momentos em que se esforça para justificar os elementos de sua história, Meyer (e Niccol, por tabela) faz questão de fazê-lo da maneira mais estúpida possível – ao tentar explicar porque Melanie consegue resistir à possessão enquanto não há notícia de que nenhum outro ser humano tenha conseguido alcançar feito semelhante, a escritora se limita a mostrar uma “buscadora” (ou seria “curadora”? Ou “peregrina”? – é um nome mais cafona que o outro!) comentando que “ela não morre porque quer muito viver” (uma frase óbvia que resume bem as aspirações intelectuais da escritora).

Mas ainda pior que não conseguir clarificar pontos chave de sua premissa (qual é o real objetivo dos invasores? E como funciona seu mecanismo de dominação corporal? Por que Melanie não pode contar a verdade quando é hospedada pelos humanos? Ou ainda, o que acontece com as pessoas que têm seus corpos tomados?) é o inadmissível descuido demonstrado pelo roteiro de Niccol (mais uma vez, demonstrando a total estupidez do material original concebido por Meyer), que volta e meia introduz um novo conceito que, além de jamais ser utilizado para o desenvolvimento da narrativa, distrai o espectador e o deixa ainda mais perdido quanto à natureza da trama (há um momento em que a protagonista pula de uma janela e, ao cair sobre o asfalto, cava uma cratera semelhante àquelas causadas pelas pancadas de Hulk em seus filmes solo ou n’Os Vingadores – um efeito que não faz o menor sentido segundo as regras da história).

Verdade seja dita, aliás, Meyer não está nem um pouco interessada em desenvolver os conceitos levantados por sua premissa, mostrando-se obviamente mais preocupada em arrancar suspiros de menininhas de 14 anos através de um quadrado amoroso que, baseando-se nas mesmas regras que norteavam a dinâmica entre Edward, Bella e Jacob (disputa entre rapazes sarados pela mesma garota, postergação sexual, conflito entre seres humanos e criaturas sobrenaturais e daí por diante), eleva a vergonha alheia a níveis inimagináveis sempre que se concentra nas briguinhas entre Melanie e Wanda acerca de seus respectivos interesses amorosos – que, ocorrendo dentro do mesmo corpo (com a primeira sendo ouvida “em off”), arrancam risos involuntários graças a diálogos e reflexões absolutamente nonsense como “Você não sabe o que eu passei para te trazer de volta”/”É, dá pra ver que você está sofrendo” e “Quando eu beijo o cara que você ama, você reclama; quando eu beijo o cara que você não ama, também. É muito complicado, isso”.

Acreditando piamente criar reflexões relevantes do ponto de vista filosófico-existencial através do conflito de Melanie (o que fica claro no momento em que a protagonista declara: “É estranho estar presa a um corpo que não me deixa usá-lo” ou no plano em que a garota tem sua imagem duplicada por um espelho, só para citar dois exemplos), Meyer e Niccol ainda demonstram extrema dificuldade em conduzir sua narrativa, enrolando o espectador com cenas em que seus personagens conversam longamente enquanto observam as estrelas e tentando desesperadamente disfarçar a falta de um arco dramático bem definido ao desviar o foco da história para pequenos acidentes de percurso como a inesperada corrida a um hospital na tentativa de adquirir medicamentos para salvar o irmão de Melanie.

Com um elenco povoado por rostos inexpressivos (os galãs Max Irons e Jake Abel competem na apatia) e que traz, além de Ronan, a boa Diane Kruger em um papel extremamente cafona e o pobre William Hurt em um personagem absolutamente unidimensional, A Hospedeira é um wanna be sci-fi da pior qualidade que ofende ainda pelos péssimos efeitos digitais e por tentar amarrar convenientemente todas as pontas para guiar sua trama a um desfecho romântico e felizinho (note que – e pare de ler este parágrafo caso ainda não tenha assistido ao longa – até o corpo em que Wanda decide se hospedar após o retorno de Melanie pertence a ninguém menos que a ninfeta Emily Browning), provando apenas aquilo que todo mundo já sabia: que Stephanie Meyer é uma grande picareta.

28 de Março de 2013.